O que é aversão ao risco do investidor e como medi-la?
Explorando as bases teóricas, evidências comportamentais e aplicações práticas para entender por que os investidores preferem (ou evitam) situações de incerteza
A aversão ao risco é a inclinação de um indivíduo a preferir resultados mais seguros em detrimento de outros com maior incerteza, mesmo que estes possam oferecer retornos potencialmente superiores. Esse traço psicológico influencia diretamente a forma como as pessoas escolhem entre diferentes tipos de investimento e como reagem às flutuações do mercado. Por que alguém se dispõe a ganhar menos para evitar o “risco de perder”? E como identificamos esse perfil na prática? Abaixo, exploramos os principais aspectos relacionados a esse tema, desde a base teórica até os desdobramentos comportamentais e regulatórios.
1. Fundamentos da aversão ao risco
Para entender a aversão ao risco, é essencial compreender a função de utilidade, conceito-chave na teoria econômica. Essa função relaciona a riqueza de uma pessoa ao nível de satisfação ou bem-estar que ela obtém. Quando dizemos que a função de utilidade é côncava, assumimos que, à medida que a riqueza aumenta, a utilidade marginal (isto é, o ganho de satisfação por cada real adicional) diminui. Na prática, isso significa que receber mil reais quando se tem pouco dinheiro produz um aumento de bem-estar muito maior do que receber os mesmos mil reais quando já se é muito rico.
A concavidade da função de utilidade também se manifesta na preferência por segurança. Em termos técnicos, uma pessoa avessa ao risco pode preferir receber um valor garantido menor em vez de participar de uma loteria com valor esperado mais alto, pois o desprazer gerado por uma possível perda pesa mais na decisão do que a alegria de um ganho equivalente. Essa postura emerge do “instinto de autoproteção” contra resultados negativos e confere a esses indivíduos um comportamento de precaução diante de incertezas.
2. Exemplo prático de loteria
Para ilustrar como a aversão ao risco funciona, imagine uma loteria simples em que há 50% de chance de ganhar R$ 1.000 e 50% de chance de ganhar R$ 500, resultando em um valor esperado de R$ 750. Se alguém fosse neutro ao risco, provavelmente estaria disposto a pagar exatamente R$ 750 para jogar. Porém, um investidor avesso ao risco tenderá a oferecer menos que isso, pois a possibilidade de ganhar “apenas” R$ 500 faz com que ele atribua um valor subjetivo menor ao bilhete.
Em contraste, quem possui menor aversão ou até apetite ao risco não se importa tanto com essa incerteza e pode pagar quase R$ 750 para ter acesso à loteria. Essa diferença de disposição ao pagar deixa claro por que duas pessoas podem encarar a mesma oportunidade de formas radicalmente distintas: o lado emocional e cognitivo pesa, e não apenas o valor esperado calculado de forma fria.
3. Medindo a aversão ao risco na prática
Para identificar se alguém é conservador, moderado ou arrojado, existem métodos tanto no mercado financeiro quanto no meio acadêmico.
No mercado financeiro brasileiro, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) exige que as instituições que ofertam produtos de investimento conheçam o perfil de seus clientes, processo regulamentado sob o nome de suitability. A corretora aplica questionários que avaliam fatores como experiência em investimentos, tolerância a perdas, objetivos de curto, médio e longo prazo, e renda mensal ou patrimônios disponíveis. Com base nessas informações, o investidor é classificado em categorias de risco, e a instituição deve ofertar produtos alinhados a esse perfil. Embora esses questionários não captem todas as nuances psicológicas, eles protegem investidores menos experientes e evitam alocações irreais ou arriscadas em demasia.
Já na academia, o método de Holt e Laury (2002) é um exemplo marcante de experimento para medir a aversão ao risco de forma sistemática. Nesse estudo, as pessoas fazem repetidas escolhas entre duas loterias: uma mais segura, com recompensas mais modestas, e outra mais arriscada, com recompensas potencialmente mais altas. Conforme o jogo avança, a loteria arriscada se torna ainda mais tentadora, mas também mais perigosa. O ponto em que o participante “muda” para a loteria arriscada (ou continua na opção segura) reflete sua sensibilidade a variações de risco e permite aos pesquisadores estimar um coeficiente de aversão ao risco.
Criei um exemplo de como funciona o teste de Holt-Laury em Holt-Laury App. É possível baixar o código e contribuir com seu desenvolvimento em Repositório Holt-Laury app.
4. Outras teorias comportamentais: disappointment aversion, habit utility e safety-first
Embora a função de utilidade côncava explique muito do comportamento avesso ao risco, algumas teorias complementares capturam facetas mais específicas. A chamada aversão ao desapontamento (disappointment aversion) sugere que o indivíduo não apenas reage a perdas em si, mas também à decepção de não atingir um resultado que passou a considerar provável. Essa frustração tem um peso adicional na decisão, mesmo quando o valor esperado ainda é positivo.
Já a utilidade do hábito (habit utility) postula que as pessoas desejam proteger seu padrão de vida ou consumo habitual, e que o desconforto de cair abaixo desse padrão é desproporcionalmente grande. Nesse caso, a tomada de risco é refreada pelo receio de não poder mais sustentar hábitos que foram incorporados ao dia a dia.
Por fim, a teoria da segurança em primeiro lugar (safety-first) coloca a preservação de um piso mínimo de renda ou patrimônio como prioridade absoluta, antes mesmo de se pensar nos ganhos potenciais. Para esse investidor, evitar um resultado catastrófico é mais importante do que explorar oportunidades lucrativas, ainda que estatisticamente promissoras.
5. O legado de Daniel Kahneman e Amos Tversky
Na segunda metade do século XX, Daniel Kahneman (que ganhou o Nobel de Economia em 2002) e Amos Tversky realizaram estudos que expandiram a compreensão sobre comportamento financeiro. Ao analisar como as pessoas efetivamente tomam decisões sob incerteza, eles perceberam que muitos indivíduos se afastam da lógica estritamente racional, pois são guiados por heurísticas (atalhos mentais) e vieses. Um desses vieses é a loss aversion (aversão à perda), que sugere que perder uma quantia de dinheiro gera mais insatisfação do que ganhar a mesma quantia proporciona satisfação.
Além disso, Kahneman e Tversky notaram que o enquadramento (framing) das opções pode alterar drasticamente as escolhas, mesmo que a probabilidade e o valor esperado permaneçam os mesmos. Outro ponto levantado por suas pesquisas é que as pessoas frequentemente superestimam probabilidades muito pequenas, como a de ganhar na loteria, pois casos de vitória — por serem chamativos — ficam gravados mais fortemente na memória e turvam a análise estatística real.
6. Se somos avessos ao risco, por que jogamos na loteria?
Na loteria, o valor esperado do prêmio é normalmente menor do que aposta e quem joga não poderia ser considerado como “avesso ao risco”, então o que explica essa aparente contradição? Primeiro, o valor do bilhete costuma ser baixo o suficiente para que a perda seja irrelevante em termos de patrimônio ou padrão de vida, tornando essa “aposta” suportável. Além disso, o ganho potencialmente gigantesco exerce um fascínio que muitas vezes suplanta o cálculo de valor esperado. Vale lembrar que a superestima de probabilidades ínfimas, algo descrito por Kahneman e Tversky, leva as pessoas a encarar uma chance mínima como se fosse relativamente plausível.
Também há um componente de entretenimento e sonho: para muitos, comprar o bilhete de loteria não é puramente uma decisão de investimento, mas sim a experiência de imaginar a vida transformada por um prêmio milionário, ainda que a probabilidade real seja mínima. Já ouvi: “jogar na Mega Sena é a droga com melhor custo benefício que existe”.
A aversão ao risco ajuda a entender por que muitos preferem a estabilidade de ganhos moderados ao invés de buscar retornos maiores com elevada incerteza. Tudo isso revela que, embora a maioria prefira segurança, ainda restam espaços para contradições curiosas, como o hábito de apostar em loterias — afinal, a realidade financeira é moldada tanto pela racionalidade quanto pela emoção.
Até a próxima!